A digitalização dos serviços notariais, impulsionada pela implementação do sistema e-Notariado, trouxe grandes avanços na acessibilidade e agilidade na realização de atos notariais no Brasil.
Contudo, a modernização desses serviços eletrônicos não alterou uma das bases centrais da atividade notarial: a competência territorial dos tabeliães.
Neste artigo, exploramos em detalhes como a competência territorial continua a ser aplicada aos atos notariais eletrônicos, assegurando que a prática desses atos respeite os limites de delegação notarial, conforme estabelecido pela legislação vigente, incluindo regras específicas para partes localizadas no exterior.
1. Definição de Competência Territorial dos Tabeliães
No Brasil, os tabeliães, ou notários, são designados por delegação do poder público para atuar em determinadas regiões, conhecidas como circunscrições territoriais.
Essa delegação é limitada geograficamente, o que significa que o tabelião só pode praticar atos notariais dentro de sua circunscrição.
A competência territorial é uma regra estabelecida para garantir a ordem e a organização dos serviços notariais.
A divisão geográfica busca evitar conflitos de competência entre diferentes tabelionatos e assegurar que os atos notariais sejam realizados por profissionais que possuam autoridade dentro daquela área específica.
A legislação que regula a atividade notarial, incluindo a Lei nº 8.935/1994, estabelece claramente esses limites de atuação. O mesmo princípio de competência territorial é aplicado nos atos notariais eletrônicos, garantindo a continuidade do respeito à legislação mesmo no ambiente digital.
2. Competência Territorial e Atos Notariais Eletrônicos
Com a introdução dos atos notariais eletrônicos por meio do e-Notariado, surgiram questões sobre como seria preservada a competência territorial dos tabeliães em um ambiente virtual.
Embora os atos eletrônicos permitam que as partes estejam localizadas em diferentes lugares e que o procedimento ocorra à distância, a territorialidade ainda é um fator essencial para a validade dos atos.
Segundo o Código de Normas e as regulamentações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), incluindo o Provimento nº 100/2020 e o Provimento nº 149/2023, o tabelião só pode realizar atos notariais eletrônicos que envolvam imóveis ou partes dentro de sua circunscrição territorial. Isso significa que, mesmo em ambiente eletrônico, o tabelião está limitado ao território onde exerce sua delegação.
3. Critérios de Competência Territorial nos Atos Eletrônicos
O sistema de competência territorial nos atos notariais eletrônicos obedece a dois critérios principais:
Localização do Imóvel: Nos atos que envolvem transações imobiliárias, a competência para a lavratura do ato notarial eletrônico é atribuída ao tabelião da circunscrição onde o imóvel está localizado. Isso garante que o tabelião com autoridade naquela região seja responsável por verificar a conformidade legal do ato.
Domicílio das Partes: Em atos notariais eletrônicos que não envolvem imóveis, como testamentos ou procurações, a competência é atribuída ao tabelião da circunscrição do domicílio das partes envolvidas. Esse critério visa assegurar que as partes estejam sob a jurisdição de um tabelião que tenha autoridade para agir naquela localidade.
Esses critérios são aplicados de forma remota, utilizando a tecnologia disponível na plataforma e-Notariado, mas mantendo os princípios tradicionais da competência territorial.
4. Regras Específicas para Partes no Exterior
Com a globalização e a crescente mobilidade internacional, é comum que brasileiros no exterior ou estrangeiros com interesses no Brasil precisem praticar atos notariais. No contexto dos atos notariais eletrônicos, o e-Notariado permite que essas partes realizem atos à distância, respeitando a competência territorial do tabelião.
As regras para partes no exterior incluem:
Residência no Exterior: Se uma das partes estiver localizada fora do Brasil, o tabelião responsável pelo ato deve ser o da circunscrição onde o ato terá efeitos, ou seja, onde o imóvel está localizado ou onde a parte no Brasil tem ou tinha domicílio.
Videoconferência Notarial: A manifestação de vontade das partes no exterior deve ser captada via videoconferência notarial, garantindo que o tabelião possa verificar a identidade e a livre manifestação de vontade da parte, conforme as disposições da legislação brasileira.
Certificado Digital: As partes no exterior também devem utilizar o certificado digital notarial ou o certificado emitido pela ICP-Brasil, o que pode ser feito remotamente, desde que as exigências de autenticação e validação sejam cumpridas.
Essas regras garantem que, mesmo quando as partes estão fora do território nacional, os atos notariais eletrônicos sigam o procedimento correto e respeitem a legislação brasileira, mantendo a segurança jurídica e a validade dos atos.
5. Exceções à Regra de Competência Territorial
Embora a regra geral seja a de que o tabelião deve observar a competência territorial, a legislação prevê algumas exceções.
Em situações específicas, como quando há imóveis localizados em diferentes circunscrições, o tabelião de qualquer uma das circunscrições pode praticar o ato, desde que tenha delegação válida para atuar naquele estado.
Dessa forma, a legislação busca adaptar-se a situações mais complexas sem perder de vista os princípios de organização e hierarquia da atividade notarial.
Outra exceção importante ocorre em casos de atos que envolvem múltiplas partes localizadas em diferentes regiões ou no exterior.
Nessas situações, é permitido que o ato seja realizado por um tabelião competente para qualquer uma das partes, desde que respeite os critérios de domicílio ou de localização do imóvel.
6. Impacto da Competência Territorial na Segurança Jurídica
A preservação da competência territorial nos atos notariais eletrônicos é essencial para garantir a segurança jurídica das transações e dos documentos produzidos.
Isso ocorre porque a competência territorial assegura que o tabelião responsável pelo ato tenha o conhecimento necessário das particularidades legais e regulatórias da sua área de atuação.
Além disso, essa preservação evita que tabeliães de fora da circunscrissão realizem atos sem o devido conhecimento da legislação local, o que poderia gerar conflitos de interesse e questionamentos sobre a validade do ato.
A competência territorial também desempenha um papel determinante na fiscalização dos serviços notariais. As corregedorias dos Tribunais de Justiça têm a responsabilidade de supervisionar as atividades dos notários dentro de suas jurisdições, e essa supervisão seria inviabilizada se os notários pudessem atuar livremente em diferentes territórios.
7. Fiscalização e Monitoramento da Competência Territorial
O sistema e-Notariado foi desenvolvido para integrar os notários em uma rede nacional, mas mantendo a segregação de competência territorial.
As corregedorias estaduais, bem como a Corregedoria Nacional de Justiça, têm acesso em tempo real às bases de dados do sistema, permitindo um monitoramento contínuo dos atos notariais eletrônicos.
O Provimento nº 100/2020 estabelece as diretrizes para a implementação dessa fiscalização.
Através de sistemas de auditoria e de painéis de controle, é possível identificar se o notário respeitou os limites de sua delegação territorial ao praticar atos eletrônicos. Em caso de violação das regras de competência, os atos podem ser anulados, e o notário pode ser submetido a processos administrativos.
8. Conclusão: A Importância de Respeitar a Competência Territorial nos Atos Notariais Eletrônicos
Apesar da modernização dos serviços notariais e da implementação dos atos notariais eletrônicos, a competência territorial continua a ser um pilar fundamental na estrutura da atividade notarial no Brasil.
Respeitar os limites territoriais é essencial para a manutenção da ordem jurídica, assegurando que os atos praticados no ambiente eletrônico tenham a mesma validade e segurança jurídica dos atos presenciais.
O sistema e-Notariado foi cuidadosamente desenhado para compatibilizar a flexibilidade oferecida pela tecnologia com o rigor da legislação territorial.
Dessa forma, a digitalização dos atos notariais não compromete a integridade da delegação pública, e os notários continuam a exercer suas funções com responsabilidade e dentro dos limites da sua circunscrição, incluindo atos que envolvem partes localizadas no exterior.
A preservação da competência territorial é, portanto, uma garantia tanto para os notários quanto para os cidadãos, de que os atos praticados eletronicamente são seguros, válidos e juridicamente eficazes.
Referências Legais:
Provimento nº 100/2020: Estabelece diretrizes para a prática de atos notariais eletrônicos no Brasil, incluindo a aplicação da competência territorial.
Provimento nº 149/2023: Atualiza e complementa as normas sobre atos notariais eletrônicos e reforça as regras sobre competência territorial e limites de delegação.
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