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A Importância da Elaboração de um Testamento Local na Aquisição de Imóveis em Outro País

Foto do escritor: Erica GuglielmiErica Guglielmi

A globalização trouxe consigo a facilidade de investir em imóveis além das fronteiras de nosso país de origem.


No entanto, essa liberdade vem acompanhada de complexidades jurídicas que muitos proprietários internacionais desconhecem.


Imagine um brasileiro que reside há anos no Reino Unido e decide comprar uma casa em seu país natal, ou um inglês que adquire uma propriedade em Portugal para passar as férias.


Em ambos os casos, a ausência de um planejamento sucessório adequado pode transformar a realização de um sonho em um pesadelo burocrático para seus herdeiros.


A elaboração de um testamento local, mesmo que já exista um documento válido no país de residência, é uma estratégia essencial para evitar conflitos, custos desnecessários e garantir que a vontade do titular seja respeitada.


A principal razão para essa precaução reside nas diferenças estruturais entre os sistemas jurídicos.


Países como o Brasil e Portugal, regidos pelo civil law, possuem regras rígidas sobre a legítima — parte da herança reservada por lei a herdeiros necessários, como filhos, cônjuges e ascendentes.


No Brasil, por exemplo, metade dos bens deve ser destinada aos herdeiros legais, independentemente do que conste no testamento.


Já no Reino Unido, sob o common law, a liberdade testamentária é ampla, permitindo ao titular dispor de seus bens como desejar.


Essa disparidade cria um cenário de risco: um testamento inglês que exclua um filho pode ser parcialmente invalidado no Brasil, onde a lei local prevalece sobre a estrangeira.


Da mesma forma, um inglês que deixe sua casa em Portugal para um sobrinho pode ver metade do imóvel ser automaticamente direcionada a um filho ou cônjuge, conforme exige o Código Civil português.


As implicações fiscais reforçam ainda mais a necessidade de um planejamento localizado. Um brasileiro residente no Reino Unido, por exemplo, pode enfrentar a tributação dupla: o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis (ITCMD) no Brasil e o Inheritance Tax britânico. Um testamento bem estruturado no Brasil, no entanto, pode incluir cláusulas que direcionem parte do imóvel a herdeiros específicos dentro dos limites legais, reduzindo a carga fiscal.


Em Portugal, onde o Imposto do Selo incide apenas em doações, um testamento local pode estabelecer mecanismos para transferir a propriedade de forma mais eficiente, evitando surpresas financeiras para os beneficiários.


Casos concretos ilustram esses desafios.


Um brasileiro residente em Londres, por exemplo, comprou um apartamento em São Paulo para garantir um patrimônio à família. Seu testamento inglês, no entanto, deixava toda a herança à segunda esposa, excluindo os filhos do primeiro casamento.


Ao falecer, os filhos entraram com uma ação judicial no Brasil, alegando o direito à legítima. O resultado?


Metade do imóvel foi destinada aos herdeiros legais, contrariando a vontade expressa no testamento estrangeiro. Em outro cenário, um inglês com uma casa em Lisboa descobriu que seu testamento no Reino Unido — que destinava a propriedade a um sobrinho — foi parcialmente invalidado em Portugal.


A lei local reservou 50% do imóvel à sua filha, com quem tinha um relacionamento distante, enquanto o restante foi dividido entre o sobrinho e o cônjuge.


Esses exemplos evidenciam que a ausência de um testamento local não apenas desrespeita a autonomia do titular, mas também expõe os herdeiros a processos demorados e custosos.


Um documento redigido conforme as normas do país onde o imóvel está situado — seja no Brasil, em Portugal ou em qualquer outra nação — garante agilidade no inventário, reduz riscos de contestação e harmoniza a vontade do titular com as exigências legais.


Portanto, para proprietários internacionais, a mensagem é clara: ter um testamento no país de residência não é suficiente.


É essencial elaborar um instrumento jurídico específico para cada imóvel no exterior, preferencialmente com o apoio de advogados especializados em direito sucessório local.


Essa medida não apenas preserva o legado do titular, mas também evita que conflitos transnacionais transformem um ato de amor em uma batalha judicial.

 

Referências:


BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.


CONVENÇÃO DE HAIA. Convenção sobre os Conflitos de Leis Relativos à Forma das Disposições Testamentárias, 1961.


EUROPEAN UNION. Regulation (EU) No 650/2012 of the European Parliament and of the Council of 4 July 2012.


PORTUGAL. Código Civil. Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966.


SILVA, J. A. _Direito das Sucessões em Portugal_. 3. ed. Lisboa: Almedina, 2020.


VIANA, J. _Planejamento Sucessório Internacional_. São Paulo: Atlas, 2019.

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